Resumo:O artigo analisa a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia enquanto um dos três vetores do sistema de proteção dos direitos fundamentais acolhido nos Tratados e resultante do artigo 6.º do Tratado da União Europeia resultante do Tratado de Lisboa no contexto da evolução jurisprudencial da sua proteção. Em particular, analisa o seu âmbito de aplicação, a eficácia horizontal das suas disposições, os termos da aplicabilidade dos direitos sociais reconhecidos na Carta. Por outro, discute também a adesão da União Europeia à Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o Parecer n.º 2/13 do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Palavras-Chave:União Europeia - Direitos Fundamentais - Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia - Convenção Europeia dos Direitos do Homem
Abstract:The article analyzes the Charter of Fundamental Rights of the European Union as one of the three vectors of the system of protection of fundamental rights, as set out in the Treaties and resulting from Article 6 of the Treaty on European Union resulting from the Treaty of Lisbon in the context of the evolution of its case-law. protection. In particular, it analyzes its scope, the horizontal effectiveness of its provisions, the terms of the applicability of the social rights recognized in the Charter. It also discusses the accession of the European Union to the European Convention on Human Rights and Opinion No 2/13 of the Court of Justice of the European Union.
Key-words: European Union - Fundamental Rights - Charter of Fundamental Rights of the European Union - European Convention on Human Rights
1 . A reflexão que nos convoca coloca-se sob a égide da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia1 e ocorre decorridos três lustros após a proclamação da sua versão originária2. Entretanto, como se sabe, o texto viria a sobre algumas adaptações na véspera da assinatura do Tratado de Lisboa3, sendo que este acto de revisão, sem incorporar formalmente a Carta no direito primário da União, lhe viria a atribuir “o mesmo valor jurídico que os Tratados”4 (artigo 6.º, n.º 1, do TUE), precisando em particular que o que nela se dispõe “de forma alguma (…) pode alargar as competências da União, tal como definidas nos Tratados” (artigo 6.º, n.º 1).
A Carta é, porém, mau grado a sua importância, apenas um dos três vectores do sistema de protecção dos direitos fundamentais acolhido nos Tratados. A ela há que acrescentar, com um estatuto particular, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos5, a que a União manifesta a vontade de aderir (artigo 6.º, n.º 2 – também “sem alteração das competências da União, tal como previstas nos Tratados”), sendo que “do direito da União fazem parte, com o estatuto de princípios gerais, os direitos fundamentais tal como os garante a CEDH e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros” (artigo 6.º, n.º 3).
Este sistema constituiu-se a bem dizer por estratos, e essa construção não está verdadeiramente terminada, não dispensando ademais um trabalho de síntese, coordenação, e racionalização6.
2. O sistema resulta, como é sabido, de uma construção pretoriana, do que de algum modo podemos ver como uma forma de activismo judiciário7. Assim, é por uma série de decisões judiciais iniciada pelo que constituiu uma falsa partida, no caso Storck8, em que o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias9 excluiu a possibilidade de considerar, como parâmetros de validade dos actos comunitários, normas nacionais qualquer que fosse a sua natureza, inclusivamente de carácter constitucional, que a protecção dos direitos fundamentais se viria a impor no âmbito do direito da União.
Dez anos depois, com os acórdãos Stauder10 e Internationales Handelsgesellschaft11, o Tribunal afirmaria que o respeito pelos direitos fundamentais constituía um requisito de legitimidade dos actos comunitários, na medida em que constituía parte integrante dos princípios gerais de direito comunitário cujo respeito lhe cabe assegurar. Em particular nesta última decisão, consideraria que «a salvaguarda desses direitos, ainda que inspirada nas tradições constitucionais comuns aos Estados-membros, deve ser assegurada no âmbito da estrutura e dos objectivos da Comunidade»12, reconhecendo posteriormente, no acórdão Nold13, a possibilidade de recorrer aos tratados internacionais sobre direitos humanos para construir um sistema não escrito de protecção dos direitos fundamentais, tendo sublinhado nos acórdãos Rutili14 e Hauer15 o especial papel que, a esse respeito, deve ser reconhecido à CEDH16.
3. Os princípios assim elaborados no plano jurisprudencial vieram, como se sabe, a ser incorporados nos Tratados. Na verdade, depois de uma Declaração Comum das três instituições que, embora sem carácter vinculativo, se referiria aos direitos garantidos pelas Constituições dos Estados-Membros e pela CEDH, o princípio da protecção dos direitos fundamentais encontraria eco no preâmbulo do Acto Único Europeu, passando com o Tratado de Maastricht a constar do Tratado da União Europeia (artigo F, parágrafo 2), o que seria reafirmado pelo Tratado de Amesterdão (tendo a disposição passado a constar do artigo 6.º, parágrafo 2)17.
4. Entretanto, a possibilidade de adesão formal das Comunidades Europeias à CEDH seria considerada pelas instituições18, vindo a ser inviabilizada por um primeiro parecer do TJCE19, que consideraria que «no estado actual do direito comunitário, a Comunidade não tem competência para aderir à CEDH». O Tribunal considerou, neste contexto, que «a adesão à Convenção implicaria uma alteração substancial do actual regime comunitário de protecção dos direitos do homem, na medida em que teria como resultado a inserção da Comunidade num sistema institucional internacional distinto, bem como a integração do conjunto das disposições da Convenção na ordem jurídica comunitária»20, tendo acrescentado que «uma tal alteração do regime de protecção dos direitos do homem na Comunidade, cujas implicações institucionais seriam igualmente fundamentais tanto para a Comunidade como para os Estados-Membros, teria relevância constitucional e ultrapassaria, pois, pela sua natureza, os limites do artigo 235.º. Só poderia ser realizada pela via de uma modificação do Tratado»21.
5. E, a partir de 2000, a União Europeia passaria a dispor de uma Carta dos Direitos Fundamentais, que apesar de desprovida de carácter vinculativo, em breve passaria a ser objecto de invocação pela jurisprudência.
6. Seria o novo artigo 6.º do TUE resultante do Tratado de Lisboa que consagraria o sistema tripartido de fontes em matéria de protecção dos direitos fundamentais. De acordo com esta disposição, o papel essencial parece reservado à Carta, ora equiparada ao direito primário, frisando-se, no parágrafo 3 do n.º 1 daquele artigo, que «os direitos, as liberdades e os princípios22 consagrados na Carta devem ser interpretados de acordo com as disposições gerais constantes do Título VII da Carta que regem a sua interpretação e aplicação e tendo na devida conta as anotações a que a Carta faz referência, que indicam as fontes dessas disposições».
Um dos problemas abordados por este texto é o dos termos da sua aplicação23. De acordo com o artigo 51.º, n.º 1, da Carta, «as [suas] disposições (…) têm por destinatários as instituições, órgãos e organismos da União, na observância do princípio da subsidiariedade, bem como os Estados-Membros, apenas quando apliquem o direito da União». Independentemente da querela sobre o sentido a atribuir a esta expressão, parece poder retirar-se da jurisprudência que a Carta apenas será de aplicar a situações jurídicas nacionais que se insiram no campo de aplicação do direito da União24, o que não se verificaria quando a conexão da situação com o direito da União resultasse apenas da aplicação das disposições da Carta eventualmente vulneradas. Ao contrário, e como já se sublinhou, a medida nacional contestada deverá apresentar uma conexão suficiente com uma regra de direito da União, e esta norma de direito da União não pode ser o direito fundamental que se assume ter sido violado25.
Mais problemático será saber o que é necessário para se poder falar da suficiência de uma tal conexão. Se parece claro que ela existe quando os Estados-Membros actuem enquanto agentes da União, ou seja, quando se limitem a executar normas desta26, a jurisprudência viria a fixar-se posteriormente numa fórmula algo diversa, bastando-se com a circunstância de a regulamentação nacional se situar «no âmbito do direito comunitário» ou entrar «no campo de aplicação» deste27. Se num primeiro momento o Tribunal se orientara por uma abordagem de tipo formalista, exigindo que a disposição nacional em questão tivesse «por objectivo dar aplicação a uma disposição do direito comunitário», não prosseguisse objectivos diversos dos do direito comunitário nem tivesse carácter geral, e não se inserisse num domínio que fosse da competência dos Estados-Membros28, a evolução subsequente consagraria uma posição de tipo funcional, em que a circunstância de as normas internas não apresentarem uma ligação directa com a actuação do direito da União não seria obstáculo à aplicação da Carta29.
Esta linha de orientação seria confirmada, mais recentemente, no acórdão Fransson, proferido no processo C-617/10, em que o TJUE admitiria a protecção dos direitos fundamentais perante situações reguladas pelo direito da União (ponto 19), abrangidas por ele (ponto 21), ou conexionadas com ele (ponto 24)30. Mas se pode assim dizer-se que, para a jurisprudência, se afigura bastante que a medida nacional controvertida apresente uma conexão com uma disposição de direito da União, não sendo necessário que ela tenha sido especificamente adoptada para dar actuação a obrigações criadas pelo direito da União31, não é menos verdade que o TJUE se não pronunciou ainda claramente sobre a ligação que, para efeitos de aplicação da Carta, deverá existir entre a situação jurídica nacional e o direito da União32.
E não menos perplexidades suscita a questão da eficácia horizontal da Carta, a propósito da qual, depois de ter afirmado que« num litígio entre particulares, cabe ao órgão jurisdicional nacional garantir a observância do princípio da não discriminação em razão da idade, como concretizado pela Directiva 2000/78, devendo afastar, quando necessário, as disposições contrárias da legislação nacional, independentemente de exercer a faculdade de que dispõe de submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia um pedido de decisão prejudicial sobre a interpretação deste princípio»33, viria a estabelecer, no caso AMS (processo 176/12), um distinguo em relação a esta situação, ao salientar que «quando se conclua que uma disposição nacional de transposição da directiva 2002/14/CE (…), que estabelece um quadro geral relativo à informação e à consulta dos trabalhadores na Comunidade Europeia, é incompatível com o direito da União, o artigo 27.º da Carta deve ser interpretado no sentido de que não pode ser invocado num litígio entre particulares a fim de não ser aplicada essa disposição nacional»34 (ponto 51)35.
7. Igualmente controvertida é a questão dos termos da aplicabilidade dos direitos sociais reconhecidos na Carta36. A este propósito, e para além do direito à informação e consulta dos trabalhadores na empresa a que se reporta o artigo 27.º37, do direito de negociação e acção colectiva consagrado no artigo 28.º38, do direito a condições de trabalho justas e equitativas, afirmado no artigo 31.º e invocado nos dois acórdãos paralelos a que acima nos referimos39, importa referir ainda o direito à segurança social e à assistência social, acolhido no artigo 34.º, e no âmbito do qual se afirmou recentemente uma jurisprudência que temos por restritiva40.
Muito embora a Carta se refira ao reconhecimento destes direitos, muitas vezes, «nos casos e nas condições previstos pelo direito da União e pelas legislações e práticas nacionais»41, importa saber em que termos a fundamentalidade42 que lhes é agora reconhecida terá consequências nos termos do seu reconhecimento.
8. Até ao presente apenas tivemos em conta a Carta, enquanto fonte da protecção dos direitos fundamentais reconhecidos pela ordem jurídica da União. Mas, como referimos, o citado artigo 6.º do TUE refere-se, no n.º 2, à CEDH, à qual a União manifesta a vontade de aderir, precisando-se também que «essa adesão não altera as competências da União, tal como definidas nos Tratados». Ultrapassa-se desta forma a questão de competência em que o já mencionado Parecer n.º 2/94 se baseara para negar a possibilidade de adesão das Comunidades à Convenção. Neste contexto, seria aliás aditado ao Tratado de Lisboa um novo Protocolo43 que sublinha que o acordo que a concretizasse deveria incluir cláusulas que preservassem as características próprias da União e do direito da União (artigo 1.º), assegurando igualmente que «a adesão (…) não afecte as (…) competências [da União] nem as atribuições das suas instituições» (artigo 2.º), colocando-se assim o acento tónico na questão da compatibilidade do acordo com a União e o seu direito, e não já na competência da União para o celebrar.
Aquela questão viria a ser por sua vez posta de novo ao TJUE que, face ao projecto entretanto negociado, afirmaria, no seu Parecer 2/1344, que o Acordo Projectado45 era incompatível com o direito primário, não permitia preservar as características específicas da União e do seu direito46, sendo susceptível de lesar tais características e a autonomia deste direito, e de afectar o artigo 344.º do TFUE47.
A adesão querida pelo “constituinte” da União encontra-se assim num limbo, em que uma visão absolutista da autonomia da União e do seu direito parece negar a possibilidade de um controlo externo sobre os termos em que nela se leva a cabo a protecção dos direitos fundamentais, no fundo a verdadeira novidade que a adesão perspectivada era susceptível de trazer. E esta circunstância parece não poder ser esquecida quando se analisam os termos e consequências da resposta negativa do Parecer48, que como que parecem esquecer ser precisamente esta novidade que constituía um prius capaz de justificar, nas condições de 2007, a reafirmação da vontade (agora formulada num plano constitucional) de adesão da União à CEDH.
Na verdade, os direitos garantidos pela CEDH (e por aqueles dos seus Protocolos que houvessem sido ratificados por todos os Estados-Membros)49 já se encontram recebidos no sistema global de protecção dos direitos fundamentais vigente na União, ou enquanto princípios gerais, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do TUE50, ou através da recepção material, de carácter parcial embora, daqueles desses direitos que são elencados na Carta51, e que, nos termos do disposto no citado n.º 1 do artigo 6.º (tendo “o mesmo valor jurídico que os Tratados”), passaram a integrar o direito primário52. Na verdade, o terceiro parágrafo do n.º 1 do artigo 6.º preceitua que «os direitos, as liberdades e os princípios consagrados na Carta devem ser interpretados de acordo com as disposições gerais constantes do Título VII da Carta que regem a sua interpretação e aplicação e tendo na devida conta as anotações a que a Carta faz referência», sendo que o n.º 3 do artigo 52.º, inserido neste título, acrescenta que «na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção»53.
O que significa que esses direitos constantes da CEDH54, independentemente do valor que a este instrumento seja reconhecido na ordem jurídica da União e de uma (eventual?) futura adesão desta última àquele texto, são actualmente parte integrante do direito primário da União, gozando por isso mesmo da posição que lhe é inerente55 (desde logo, em termos de prevalência da sua aplicação sobre o direito estatal, agora como decorrente do próprio direito da União e não já como resultante de um autónomo posicionamento da ordem jurídica dos Estados-Membros)56.
E é este actual posicionamento da CEDH no quadro do direito da União e, em particular, do seu sistema de protecção de direitos fundamentais, que produz, per se , uma alteração do relacionamento entre as duas jurisdições (Estrasburgo e Luxemburgo) no quadro da interpretação daqueles direitos, com o inerente reconhecimento da vinculação, por parte da União, ao pertinente case-law do primeiro daqueles tribunais57. Nesta medida, como já se escreveu58, «a autonomia da ordenação dos direitos fundamentais da União apenas persiste na medida em que o TJUE puder identificar standards superiores ou adicionais aos contidos nos direitos correspondentes da Convenção».
O que se afigura não ter sido devidamente considerado pelo TJUE na análise que levou a cabo no Parecer 2/13 sobre a autonomia do direito da União Europeia.
9. Para além da Carta e da Convenção, cuja perspectivada adesão fica por ora em suspenso, o artigo 6.º do TUE continua, no seu n.º 3, a reconhecer que «do direito da União fazem parte, enquanto princípios gerais, os direitos fundamentais tal como os garante a CEDH e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros». Se os desenvolvimentos anteriormente referidos podem tornar menos relevante o recurso à CEDH como fonte daqueles princípios gerais, o mesmo talvez se não deva dizer das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros, uma vez que é reforçada a atenção dada pelo Tratado às identidades nacionais respectivas. Assim, o n.º 2 do artigo 4.º do TUE sublinha que a União respeita essa identidade nacional, «reflectida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um dos Estados-Membros, incluindo no que se refere à autonomia local e regional». E este respeito, igualmente acentuado no preâmbulo do mesmo Tratado59, pode legitimar a manutenção de distintos standards de direitos fundamentais nos Estados-Membros60.
10. À natural complexidade do sistema de protecção dos direitos fundamentais que acabámos de evocar acrescem presentemente alguns desafios que não facilitam os termos em que a sua actuação tem lugar. Um deles resulta da circunstância de aqueles direitos que mais recentemente, através do catálogo da Carta lograram expressa consagração no sistema global de protecção dos direitos fundamentais da União [os contidos nos capítulos desta relativos à igualdade (III) e à solidariedade (IV)]61 serem chamados a ser aplicados em tempos de crise62 e de maior escassez de recursos. Está aqui em causa, por um lado, a eventual menor densificação que há-de ser reconhecida a direitos de natureza social, assim como a maior dificuldade da sua efectivação num tempo em que a preocupação com a sustentabilidade dos diversos subsistemas sociais reduz sensivelmente a margem de escolhas do legislador. O que, não deixando de provocar um aprofundamento dos termos em que a própria solidariedade deve ser compreendida63, também contribuiu quer para alguma menor abertura do pretório à consideração de situações de alegada restrição de direitos64, quer para a consagração de soluções de carácter algo restritivo65.
11. Depois, parece também não poder esquecer-se que a aplicação de alguns destes direitos ocorre presentemente num contexto de ameaças globais que suscitam respostas que nem sempre harmonizam da forma mais feliz a protecção dos direitos das pessoas e a salvaguarda dos interesses gerais, em face, designadamente, de ameaças globais como o terrorismo66. Se a protecção dos direitos fundamentais no quadro da cooperação policial e judiciária em matéria penal evidenciara já delicados problemas67, as medidas que mais recentemente foram tomadas como resposta àquela ameaça, como os termos em que esta última se tem materializado, antecipam uma crescente necessidade de procurar balancear direitos e interesses, em diferentes domínios, desde logo o da protecção dos dados pessoais68 em que a intrusão na vida pessoal tem vindo a ser justificada pelo combate à ameaça terrorista69 – uma situação a que os tempos mais recentes vieram dar redobrada visibilidade70.
12. Por último, um outro problema não deixa de ver a sua relevância acrescida nos tempos que vivemos: o da universalidade dos direitos reconhecidos por este sistema, ou seja, do seu âmbito pessoal de aplicação. A questão que a este propósito se coloca é a do reconhecimento71 destes direitos aos não detentores da cidadania da União, isto é, aos nacionais de Estados terceiros72. E, para além disso, e uma vez aceite o princípio desse reconhecimento, o da indagação de quais os direitos fundamentais de que gozam, e em que termos, para além dos estrangeiros legalmente residentes no território da União, os estrangeiros em situação irregular73, os refugiados 74 e os requerentes de asilo – assim se refazendo um caminho já explorado pela jurisprudência constitucional de diversos Estados-Membros.
13. O breve ponto de situação que procurámos apresentar, de forma sumária embora, sobre a actual situação da protecção dos direitos fundamentais na União Europeia evidencia claramente quer a complexidade desta temática quer a sua relevância, justificando assim a atenção que mereceu aos organizadores desta conferência. Embora discutidas desde há muito entre os Autores que se têm ocupado destas matérias, as questões que enunciámos estão longe de se poderem dizer estabilizadas, sendo por isso de esperar que as comunicações que se seguem tragam novos e diversos olhares sobre os diversos temas que integram o nosso programa. Resta-nos pois antecipar o maior sucesso aos trabalhos que ora se iniciam, renovando as nossas felicitações à organização pela variedade dos aspectos aos quais se dirige a discussão que vamos empreender e que, sem esgotar o objecto possível da reflexão sobre a problemática que aqui nos congregou, constitui um revelador seguro da pluralidade de aspectos que ela envolve e dos termos em que se tem processado o seu desenvolvimento.